Uma delas, a Carolina, fez anos.
Sei mais ou menos do que ela gosta, mas a reforma é pequena e eu gostava de lhe oferecer um presente enorme. Que lhe coubesse num cantinho da alma.
Não consegui comprá-lo!
Mas os crescidos já dormem e eu posso transformar a minha voz num sussurro, como as ondas, quando nos beijam os pés, sentados à noite, à beira mar.
Gostava de lhe contar que vão haver sempre muros. Muitos muros!
Os humanos gostam de muros. Dividem posses.
Já muito em segredo, como eles estão habituados em mim, vão saber que eu também gosto de muros.
De me sentar em cima deles a balouçar as pernas, de espreitar para além deles, ver ao longe, empoleirado lá em cima e escolher novos caminhos.
Coisas sem importância claro em tão tenra idade.
Mas sei que ainda anteontem a Carolina começou a olhar para os rapazes. E que os crescidos entendem tudo mal!
E lhe vão dizer coisas que não são verdade. Que são isto ou aquilo. Que Narciso se apaixonou por si mesmo.
Horrores. Espero que ela nunca se esqueça que uma história de vingança, não é uma história de vaidade.
E ou outros também não, claro!
Espero que sejam muitos.
E que discordem de mim.
E me questionem como só as crianças fazem.
Baixinho, não vão os crescidos ouvir.)
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Todos falam de Narcissus.
(E eu sei bem quem sou)
Mas, poucos lhe conhecem
A história:
Narcissus, passeava calmamente,
Nas suas tarefas de caçador,
Quando Echo (uma ninfa das montanhas)
Mesmerizada pela beleza dele
O começou a seguir.
Pressentindo-se seguido gritou:
"Quem está aí?"
E Echo respondeu-lhe:
"Quem está aí?"
Ao fim de algum tempo
Echo saiu do esconderijo
E mostrou-se...
E tentou abraça-lo!
(Ovídeo não fala disso, claro.
Talvez por discrição.
Ou por se interessar mais por ninfas e deusas que por caçadores!
Mas eu sei.
Narcissus já tinha guardada no peito
Uma humilde pastora.
E talvez por isso...)
Ele recuou e disse: "Deixa-me em paz!"
Nemesis, a deusa da vingança,
(Um dos aspectos de Afrodite, defendem alguns)
Depois de ouvir a história,
Decidiu punir Narcissus
Por esse comportamento!
Um dia mais tarde,
Durante um verão
Narcissus sentiu sede
Após mais uma caçada.
A deusa então
Atraiu-o para uma poça de água
Onde o fez ver-se reflectido, mas
No ESPLENDOR DA JUVENTUDE!
Não se reconhecendo,
Apaixonou-se por si mesmo
Como se de outro alguém
Se tratasse.
Incapaz de resistir ao fascínio
Da sua própria imagem
(Se nem uma ninfa o foi....)
Ao fim dum tempo
Entendeu que o seu amor
Nunca seria devolvido.
E o fogo da paixão que
Ardia dentro dele
Fê-lo derreter-se
Lentamente
Devagar, tão devagar...
Numa ultima e derradeira
Vingança contra os deuses:
Mais devagar que Eles...
Até se tornar no que é:
Uma flor
Branca e
Dourada.