Lá pela meia noite, pegava-se no carro, ufana e pirosamente artilhado com uma Marantz modular, a debitar uns silenciosos 125 W por canal e rumava-se ao Facho do Pinhal do Rei, a caminho de São Pedro.
Musica de deuses na morada dos mesmos, vórtice de estrelas por tecto, o oceano aos pés, até se fundirem na linha longínqua do horizonte nocturno.
Mala do carro aberta, para dar asas ao som, era hora de enrolar um bom charro e mergulhar na função.
Um olho no burro e outro no cigano claro, que nem meia hora haveria de passar e lá surgiria no horizonte sonoro a motoreta, quão decrépita quanto infalível e inexorável, a trepidar pela colina acima.
Toca de baixar, por respeito, o som, apagar o charro e receber amigavelmente o guarda ou vigia ou o que fosse:
-"Boas noites, vi luzes, vim ver que se passa.
Tudo bem? "
-"Bem, obrigado.
A beber um copito e ver as estrelas, como vê.
Consigo, tudo bem?"
-"Vai indo pois...
Hmmm... vá.
Cuidado com esses cigarros rapaziada.
Santa noite"
Tudo regulado, quase ritual, a atenção podia então ser direccionada para o raio do texto do ultimo Van Der Graaf que me andaria, na altura, a moer a inteligência.
"As matas nacionais da Marinha Grande, onde se situa o facho do Pinhal do Rei, (na foto), tinham em 1978, 40 guardas florestais e 200 trabalhadores rurais – resineiros e outros. Isso é Estado Social. Hoje têm 1 director regional em Coimbra, um chefe de departamento em Coimbra, creio que 1 ou 2 na Marinha Grande e zero guardas florestais. Neste Domingo, cito a gravação em pleno incêndio entre a Protecção Civil: «Não tenho efectivos para fechar a estrada a arder. Escuto. Não me responsabilizo. Escuto»."