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Arrecadações

3/2/2019

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Havia, ao fundo das escadas do prédio onde cresci, uma arrecadação fechada a sete chaves, onde guardava tudo o que não tinha.
Nunca lá entrei!
Surpreendia-me diariamente ao descer as escadas por me não custar não ir buscar o que era meu.
Afinal não ter não era exactamente igual a não ser e isso duma maneira estranha sossegava-me.
Quando regressava a casa já era algo diferente:
Encatrafiava as mãos nos bolsos e olhava para a porta fechada:
Revia mentalmente todos os meus pertences e subia as escadas algures entre o desiludido e o tristemente contente.
Era bom morar assim na estrada de Benfica.
Costumava contar os carros que passavam da janela do terceiro andar.
Dividia por marcas.
Fazia tabelas.
Tudo para ocupar as mãos.
A mente essa ia dentro de cada carro imaginando famílias, diálogos ...
Medos...
Pequenos segredos...

Lá pelos meus dez anitos, não obstante a inépcia dos professores até então, entendi os animais:
Apesar de morar a alguns kilometros do jardim zoológico ouvia-se perfeitamente que os bichos desataram num concerto agonizante:
Duas horas depois 500 mortos nas cheias e a estrada de Benfica era um rio.
Nada de carros para contar.
Felizmente a arrecadação não foi atingida.
Os adultos falaram de tudo menos dos animais.
Eu já me tinha habituado a estar calado.
Mais tarde quando reaprendi a falar já não tinha grande coisa para dizer.
Ou tinha mas esqueci o como dizer.
Curiosamente não me lembro de nada que lá estivesse guardado.
Na arrecadação quero dizer.
Perco-me muito eu sei.

Trepei uma vez a uma árvore por estar apaixonado mas esqueci-me de oferecer uma caixa de chocolates no dia dos namorados e tudo foi em vão.
Arrecadações fechadas a sete chaves...

Terei iniciado uma viagem nova a cada passo que dei só pelo deslumbre, mas teria gostado de chegar algures.
Lançam-se amarras, por vezes.
Como se guardam coisas em sítio algum.
Mas para que a âncora fundeie o navio será preciso terra firme.
Arrecadações fechadas.
Areias movediças.

Lembro-me, lembrar-me-ei sempre:
O meu professor primário ia ler A Bola, que eu comprava religiosamente desde os seis anos (que excelentes jornalistas!), para a sala dos professores.
Entregava-me a condução da aula.
Não era Professor Chaves?
Eu gostava!
Mais tarde chamou a mamã e censurou o facto de me dar demasiado dinheiro.
Ensinou-me muito, obrigado!
Sobre os adultos, sobre a hipocrisia e sobretudo porque há coisas que se devem guardar em arrecadações fechadas a sete chaves.
Sem dinheiro não havia A Bola palhaço!

Ao fundo da rampa que desce ou descia da escola primária n 110 há ainda hoje uma boa cervejaria chamada Belmar.
Almoçava por lá, quando o afecto escasseia compra-se, duma forma dúbia, os colegas na cantina mas eu sentado no restaurante.
Poderia ter apreciado a solidão.
Gosto dela.
Gosto de comer em silêncio.
Ainda hoje não entendi porque raio todas as senhoras acham que um jovem de seis ou sete anos não sabe cortar um bife e passa muito bem sem elas.
Aprendi cedo a fazer cara de pau.
Resultou!
Afinal, se me pagam a solidão, porque não aprecia-la?

Nunca mais tive arrecadações.
Se virmos bem tudo cabe numa mão fechada.
Num punho erguido.
Num olhar!
No uivar dos animais!

No silêncio...

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